Da producência à difusão

sponges Uma das pedras basilares do meu projecto de investigação passa pela identificação dos hipotéticos factores que contribuem para a difusão de um determinado formato videomusical nas plataformas digitais como contraponto e crítica às dominantes concepções, oriundas dos estudos meméticos e veiculadas em contextos tão díspares como o académico, o empresarial, as indústrias de marketing e o senso comum, ancoradas nas metáforas difusoras virais e dos memes (para uma crítica das mesmas remeto de novo para este meu artigo).

Um dos factores que identifico e exploro na minha investigação para o agenciamento da difusão nos utilizadores da Web (e extensível a outros formatos mediáticos para além do videomusical) é a producência (producerlity) dos textos mediáticos.

O conceito foi originalmente criado e definido por John Fiske que o utilizou para classificar produtos mediáticos que permitem aos seus fruidores de participar na produção da sua significação através de um exercício de leitura excessiva (excessive reading). Os textos producentes possuem estruturalmente “pontas soltas” que escapem ao seu controlo, sentidos que excedem o seu poder em discipliná-los, “espaços” suficientemente vastos para que novos textos serem produzidos neles pelos seus leitores (2.1 FISKE 1989: 104). Isto é: um produto mediático não precisa de desistir de ter uma mensagem explicitamente definida, mas ao fazê-lo limita igualmente o seu potencial de circulação. Assim, um texto producente é aquele que pode ser fruído e acedido em múltiplos níveis: de forma literal ou deixando espaço para interpretações mais activas e profundas (2.1 JENKINS et al. 2009: 81-82).

O conceito fiskiano de texto producente possui assinaláveis vasos comunicantes com a pretérita noção de indeterminação formulada por Wolfgang Iser, uma das figuras de proa da denominada Escola de Constância. Iser defende que a indeterminação é um conceito inerente a todos actos comunicacionais, na medida em que qualquer código é insuficiente para exprimir a totalidade do que se pretende comunicar. É aqui que intervém o conceito-chave de “vazio” ou “espaço em branco” (leerstelle), segundo o qual qualquer texto possui “lacunas” cujo “preenchimento” será operado, de forma variável, pelos leitores (2.1 ISER 1978: 34).

No fundo, o que defendo na minha investigação é que quanto maior for a producência ou indeterminação de um determinado conteúdo mediático, maior será a probabilidade de o mesmo originar o agenciamento da difusão por parte dos utilizadores nas plataformas digitais. As razões prendem-se com o facto de a porosidade destes textos convidarem a uma participação potencialmente mais activa, empenhada e, por isso mesmo, mais frutífera e sedutora dos utilizadores na sua difusão. Outro autor da Escola de Constância, Robert Jans Hauss, afirma que a fruição estética consiste precisamente na participação do leitor na compreensão de um texto, na medida em que ajuda a construir o(s) seu(s) sentido(s), preenchendo os seus poros ou vazios através de suas projecções pessoais (2.1 HAUSS 1994).

Não é por acaso que utilizo a palavra “porosidade” na medida em que os textos mediáticos podem ser metaforicamente descritos como esponjas: quando mais poros e canais tiverem, maior a sua producência ou indeterminação, e maior a possibilidade de os utilizadores contribuírem na produção do seu sentido que, tendo em conta as características da fruição participativa da Web, implica forçosamente a sua difusão. Apesar de o texto (esponja) ser o mesmo, a fruição participativa dos utilizadores (líquido) dá origem a uma pluralidade de sentidos (aparência da esponja com diferentes quantidades de líquido) que vão da mera recontextualização ou curadoria (disseminação) a exercícios redaccionais, isto é, a criação de novos textos-esponja (propagação). Mais: a metáfora salvaguarda igualmente a integridade estrutural do texto e o leque de interpretações possíveis, na medida em que estas dependem da porosidade do texto mediático.

Talvez o melhor exemplo (videomusical) que possa invocar para ilustrar a hipótese de que a porosidade ou producência de um texto mediático potencializa o agenciamento da sua difusão por parte dos utilizadores das plataformas sociais seja o vídeo para o tema «Party With Chidren» dos Ratatat disponibilizado no YouTube em 2010. O mesmo consiste apenas num longo plano-sequência de um papagaio sobre um fundo verde: como é óbvio, esse fundo verde confere uma vasta porosidade ao vídeo que viria a ser preenchido por exercícios redaccionais dos utilizadores do YouTube através do recurso do chroma-key. Ou seja: este exemplo demonstra como a leitura excessiva pode, em certos casos, dar origem a uma escrita redaccional. Deixo de seguida uma playlist com o referido vídeo e quatro exercícios redaccionais que testemunham a sua propagação.