2013: antologias de um ano videomusical (em actualização)

20132014

Tal como o ano passado, vou fechar 2013 com a minha habitual compilação de antologias videomusicais. Têm aqui muito com que se entreter.

A todos os leitores deste blogue, o meu sincero voto de um 2014 cheio de coisas boas.

Antville: Music Video Awards
Buzzfeed: Top 24
Huffington Post: Top 20 (+1)
IMVDb: Top 10
mvflux: Top 20-30; Top 10-20; Top 10
MVOD: Top 15
Paste Magazine: Top 10
Pitchfork: Top 25
Rolling Stone: Top 10
Seen Your Video: Top 50
The Needle Drop: Top 25
Time: Top 10
Videostatic: Top 10 NSFW; Top 10 Hip-Hop; Top 15 (+15)
Videoterapia: Top 10

2012: antologias de um ano videomusical

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E nada melhor para fechar o ano do que publicar a minha compilação actualizada com mais de quatro dezenas de antologias videomusicais de 2012. Foi um ano em cheio em matéria de vídeos musicais e só me resta esperar que 2013 esteja à altura dos pergaminhos do ano que agora finda.

A todos os leitores deste blogue, o meu sincero voto de um 2013 em cheio.

Alternative Music Video Center: Top 10
Antville: 14 x Top 5
Bug: Top 20
Buzz Feed: Top 23
Chart Attack: Top 25
Clipotheque: Top 20
Complex: Top 25
Consequence of Sound: Top 25
Dummy Magazine: Top 20
Electronic Beats: Top 10
F News Magazine: Top 12
Fact Mag: Top 20
Fast Co Create: Top 15
Fuse: Top 40
Gorilla vs. Bear: Top 25
Huffington Post: Top 20
KQED: Top 10
mv flux: Top 10
National Public Radio: Top 50; Top 9 Most Stylish
Okayafrica: Top 12
Paste Magazine: Top 25
Pitchfork: Top 30
Promo News: Top 10 (+10)
Radar Music: Top 50
Redbull: Top 22
Refinery 29: Top 11
Revolver Magazine: Top 12 Hard Rock & Heavy Metal
Rip It Up: Top 10
Rolling Stone: Top 5
Serial Optimist: Top 18
Stereogum: Top 10
Seen Your Video: Top 50
The Awl: Top 10
The Couch Sessions: Top 10
The Dankles: Top 12
The Needle Drop: Top 25
The Recomender: Top 6
Time: Top 9
Toro Magazine: Top 15
Video Static: Top 10 Hip Hop; Top 10 Narrative; Top 35
Vulture: Top 10
Yahoo! Music: Top 10

Curadoria digital

Uma das formas mais comum de os utilizadores das plataformas digitais exercerem a sua fruição participativa na Web Social consiste em filtrar a imensa oferta de conteúdos mediáticos e de partilhá-los com os seus pares, isto é, os restantes utilizadores com os quais possuem ligações sociais. A esta forma específica de fruição atribui-se o nome de curadoria digital.

O termo “curador” deriva do latim curator, que significava “guardião”, tendo originalmente um sentido eclesiástico que designava os sacerdotes responsáveis por guiar espiritualmente a alma dos devotos. A partir dos finais do séc. XVII, o termo começou a ser utilizado para designar os responsáveis pela custódia de uma biblioteca, museu, arquivo ou qualquer outro tipo de colecção mantida por uma determinada instituição. A partir do séc. XX, e à medida que a prática privada de recolher artefactos culturais se tornou cada vez mais corrente, o termo passou a referir-se igualmente a qualquer tipo de coleccionador, mesmo que este revelasse uma política de “aquisições” totalmente idiossincrática e carecesse de qualquer formação profissional específica ou sentido de serviço público. Com a emergência das plataformas digitais e o acesso dos utilizadores a uma torrente cada vez maior de informação e artefactos, a curadoria tornou-se numa prática essencial da fruição participativa. Como afirma Brian Eno, citado na obra Retromania de Simon Reynolds:

Curatorship is arguably the big new job of our times: it is the task of re-evaluating, filtering, digesting and connecting together. In an age saturated of new artefacts and information, it is perhaps the curator, the connection maker, who is the new storyteller, the meta-author. (2.1 REYNOLDS 2011: 130)

Vem tudo isto a propósito da série de 5 posts que irei publicar ao longo desta semana, que consiste numa selecção, muito subjectiva e idiossincrática, dos 25 vídeos musicais que mais fizeram vibrar a minha corda sensível em 2011.

Dos processos de legitimação dos vídeos musicais: um caso de estudo

Um dos mais importantes efeitos da convergência dos vídeos musicais nas plataformas digitais é a alteração drástica dos mecanismos de legitimação do seu corpus. Para trás ficaram os tempos (sobretudo a década de 80 e 90) em que a MTV e as editoras discográficas decidiam, em flagrante promiscuidade, não apenas os vídeos musicais que seriam teledifundidos (e que, desta forma, chegariam aos telespectadores), como, em larga medida, os que teriam sucesso e ficariam para a história (cânone) através da intensidade da sua teledifusão (playlists) ou de eventos legitimadores como os MTV Music Video Awards, criados em Junho de 1984, ou o famoso e paradigmático MTV’s Top 50 of All Time, transmitido pelo canal em Novembro de 1997 (1.1, BEEBE et al., 2007, pp. 309-310).

Actualmente, os mecanismos de legitimação dos vídeos musicais não apenas se tornaram infinitamente mais complexos e imprevisíveis, como estão cada vez mais localizados no raio de acção da cosmopedia – cuja principal fonte é, necessariamente, a praxis dos utilizadores e das comunidades virtuais de fãs (fanismo) que disponibilizam nas plataformas digitais um vastíssimo corpus que pode ser fruído em qualquer momento. Esta fruição participativa inclui não apenas o consumo de conteúdos mediáticos, como engloba fenómenos como a curadoria digital e a disponibilização de conteúdos gerados pelos próprios utilizadores (CGU). Como afirma Paolo Peverini (1.1, PEVERINI, 2010, p. 135), um dos efeitos desta alteração drástica dos canais e dos processos de distribuição (conjugada com a drástica redução dos custos da produção dos vídeos musicais) é o crescente surgimento de novos nichos que conseguem chegar a uma audiência cada vez mais competente ou digitalmente literata, facto estatisticamente comprovado no famoso conceito da longa cauda (long tail) teorizada por Chis Anderson (2.1, ANDERSON, 2009).

Um caso de estudo que demonstra de forma eloquente a mudança que a convergência trouxe aos mecanismos de legitimação do formato é o de «Average Homeboy» (Denny Blazen, 1990). Este vídeo musical, originalmente enviado e recusado pela MTV em 1990, viria a sair do limbo e a tornar-se num autêntico fenómeno de popularidade após ter sido carregado em 2006 para o YouTube, catapultando o seu autor para o estrelato.

Vale a pena atentarmos à introdução (0:06-1:10), na medida em que o discurso de Denny Blazen é um autêntico documento histórico audiovisual que ilustra as dificuldades de legitimação dos vídeos musicais numa época (início da década de 90) em que o formato dependia quase exclusivamente da teledifusão para chegar aos seus hipotéticos fruidores (telespectadores).

Before you start watching my video, I just wanna say a few words: it’s just a demo. The audio is rough because I was running it for myself and the track is still just a keyboard, but I wanted to put my ideas down on videotape so you can see what I’m trying to mark it. Since the time that I’ve made the videos, I’ve been working in a recording studio to get the sound that I need. I’ve been working on tracks from behind me and I’ve also been working on smoothing on my rapping. So, pretty much if you can understand what I’m trying to mark it, I think that once you hear my audio demo, you’ll just be blazed. And rapping is a way for me to express my point of view. And in mainstream music right now there is not a middle-class average guy telling his point of view that’s white. Any white rapper that that’s out there right now claims to be out from the streets of urban areas. I’m not trying to be anybody that I’m not. I’m just a middle-class guy trying to express myself. And, so, hopefully by watching my videos you can see that and you can see how remarkable it is. And I’m knocking on every door that I can to get my big break, so hopefully you can help me get my big record contract.

Estamos aqui perante um discurso retórico que invoca argumentos passíveis de sensibilizar a principal instituição legitimadora do formato (a MTV) no intuito de fazer um vídeo musical chegar a um determinado canal de distribuição (teledifusão) e assim alcançar o grande objectivo do seu autor: conseguir um chorudo contracto discográfico (a big record contract). A definição deste objectivo é, desde já, anacrónica ou, para ser mais preciso, visionária. Na era em que a teledifusão era quase exclusivamente o canal de difusão dos vídeos musicais, o formato era financiado e utilizado pelas editoras discográficas como forma de promoção dos produtos musicais dos seus artistas (discos) e isto após o necessário processo de negociação com as estações televisivas (quase sempre a MTV). Por isso, qualquer vídeo musical transmitido pelo canal tinha de ser, forçosamente, de um projecto musical com um contrato discográfico; a produção de vídeos musicais à margem das editoras apenas viria a ser viável com a diversificação dos canais de distribuição inerentes ao surgimento das plataformas digitais. Ver, por exemplo, o famoso caso dos Ok Go com A Million Ways (Ok Go, 2005), um vídeo musical caseiro com um orçamento de 20 US$ que foi totalmente concebido e disponibilizado na Web sem o prévio conhecimento da editora da banda (a Capitol Records). Após ter somado 9 milhões de visualizações, a editora não apenas não processou a banda, como os incentivou a produzir uma sequela (2.1, KOT, p. 214).

Mas voltemos aos argumentos usados por Denny Blaze para convencer a MTV a teledifundir o seu «Average Boy». Como veremos, todos eles são, simultaneamente, desconcertantes e pertinentes:

1. It’s just a demo […] the audio is rough: tanto a trilha sonora como o vídeo musical não são produtos acabados, mas apenas uma demonstração das capacidades artísticas do seu autor. Denny Blaze tem consciência que o seu produto videomusical estará distante da sofisticação dos produtos videomusicais que, à época, passavam na MTV e, por isso, parece sugerir a possibilidade de produzir uma versão mais profissional (smooth é o adjectivo utilizado), caso o canal reconheça as suas potencialidades. No entanto, se essa afirmação poderá fazer algum sentido relativamente à trilha sonora, é curioso verificar que Denny Blaze foi capaz de assimilar com grande agudeza a linguagem videomusical da MTV (edição frenética e sincronizada, performatividade, efeitos visuais, inserção de grafismos, culto da personalidade, proliferação de planos, etc.) e, no fundo, o resultado final não fica assim tão distante de alguns clipes transmitidos pelo canal.

2. In mainstream music right now there is not a middle-class average guy telling his point of view that’s white: aqui, o argumento invocado é a originalidade. Denny Blaze é um rapper branco, facto não totalmente original mas raro, e essa novidade seria, supostamente, uma mais-valia no contexto da música de e para as massas (mainstream). O que é desconcertante é o facto de um produto que é vendido por ser original (e esta não era, de facto, uma das características dominantes das playlists da MTV) vir embrulhado numa embalagem (vídeo musical) absolutamente convencional (ver ponto 1.). Tal, no entanto, não deixa de ser pertinente na medida em que se pretende chegar a um público-alvo abrangente.

3. I’m not trying to be anybody that I’m not. I’m just a middle-class guy trying to express myself: o derradeiro argumento é a genuinidade. Aqui, o tiro de Denny Blaze não é nada certeiro, na medida em que o simulacro e a artificialidade eram, na época, valores fundamentais da programação da MTV: basta atentar ao facto de o sucesso planetário de Michael Jackson ter ficado muito a dever à sua ambiguidade racial e sexual, devidamente veiculada pelos seus vídeos musicais (2.1, RUSHKOFF, p. 139).

 

A explicação para o sucesso (ou a legitimação) alcançada por «Average Homeboy» 26 anos depois nas plataformas digitais prende-se em grande medida com o facto de as características identificadas nos pontos anteriores e não susceptíveis de sensibilizar a MTV na década de 90 se terem tornado, entretanto, particularmente sensíveis aos actuais utilizadores das plataformas digitais:

– O facto de o vídeo ser uma produção caseira (demo) enquadra-se não apenas na produção vernacular típica dos conteúdos gerados pelos utilizadores (CGU), como está em sintonia com a estética do YouTube e dos restantes portais de partilha de vídeos;

– A originalidade e a genuinidade são duas das características mais valorizadas pelos utilizadores das plataformas digitais e enquadram-se definitivamente no seu horizonte de expectativas. Isto é, de resto bem visível num dos comentários mais votados ao clipe (do utilizador conway2223):

Like the music or hate it, Dennis Hazen is a REAL person. I never met him but we are about the same age. Somewhere along the line in the past 20 years REAL has faded. Well Denny, maybe MTV didn’t get the message back then, but it never did. Simply be who you are, and respect others for who they are. Not so hard…is it? Thanks Denny for having the balls to express yourself… I’m BLAZED!

– O facto de o vídeo musical de «Average Homeboy» ser, manifestamente, um produto do seu tempo que incorpora de forma efusiva e artesanal técnicas videomusicais super-datadas (ver ponto 1.), cria um anacronismo susceptível de despertar o interesse dos utilizadores das plataformas digitais ou não fosse o kitsch uma das formas artísticas mais populares dos portais de partilha de vídeos;

– Finalmente, a introdução ao vídeo musical confere uma componente narrativa particularmente sedutora para os utilizadores das plataformas digitais e, em particular, para os fãs do formato: a do produto mediático ser uma tentativa frustrada de legitimação perante a entidade que paradoxalmente mais contribui para a divulgação e a estagnação do formato: a MTV. Visto hoje em dia, o vídeo musical e a sua introdução não podem deixar de ser vistos como um visionário e irresistível convite aos utilizadores das plataformas digitais para se assumirem como uma fonte efectiva de legitimação e de contra-poder.

 

Este caso de estudo tem ainda um epílogo digno de nota. Movido pelo inesperado sucesso do seu vídeo musical nas plataformas digitais, Denny Blaze resolveu, 30 anos depois, cumprir finalmente a sua promessa e produzir uma smooth version do vídeo original, regravando a trilha sonora e remisturando o vídeo musical ao incluir algumas (poucas) imagens da sua actual persona:

Apesar da popularidade alcançada, Denny acabou por não conseguir assinar o tão desejado contrato discográfico. Na verdade, já não precisa dele: os tempos são manifestamente outros e o tema pode ser adquirido directamente no iTunes.