O grande Brian Eno disponibilizou a semana passada no sítio do costume um diaporama videomusical colaborativo para a faixa «Play of Light» do seu recente disco Lux. Para isso, o músico e produtor britânico pediu aos fãs que enviassem fotografias que capturassem diferentes fases de iluminação solar (crepúsculo, zénite, ocaso e noite). Mais de 6 000 fotografias foram enviadas e editadas em tempo real por Eno e a sua equipa ao longo de quatro streamings do disco disponibilizados no seu portal no passado dia 17 de novembro. Eis o resultado:
Este vídeo vem mesmo a calhar, porque me permite usá-lo como pretexto para falar de um tema sobre o qual tenho pensado imenso nas últimas semanas: a aplicação dos preceitos da chamada música “ambiental” à fruição musical nas plataformas digitais (já agora, não posso deixar de recomendar este fabuloso livro de Mark Prendergast).
Costuma ser atribuída a Brian Eno o cunho do termo “música ambiental”. No inlay do seu seminal Ambient 1: Music for Airports (1978), Eno define-a como toda a música que tanto pode ser ouvida de forma atenta como facilmente ignorada, dependendo da vontade do ouvinte, numa definição que em tudo recorda a de musique d’ameublement de Eric Satie (1917). Devido à ambiguidade da definição, existe uma ampla gama de trilhas sonoras que podem ser classificadas de ambientais. Apesar de se poder apontar uma ênfase na dimensão tonal ou atmosférica (textura) em detrimento da estrutura rítmica e melódica tradicional da música ocidental (seja ela popular ou erudita), Brian Eno foi muito perspicaz em colocar a tónica da sua definição não apenas na forma como esta música deve ser ouvida (volume baixo e em paralelo com outras actividades) como na modalidade de fruição desejada pelo ouvinte: no fundo, é ambiental toda a música que o ouvinte conseguir fruir como pano de fundo (como é óbvio, duvido que haja grandes possibilidades de ouvir desta forma algo como o heavy-metal ou qualquer tipo de melodias orelhudas). Ou seja, a definição é muito mais contextual do que textual.
Há diversas questões interessantes que surgem quando se articula esta definição enoiana de música ambiental como as práticas de multitasking típicas dos utilizadores da Web Social. Duas, em particular, fazem vibrar a minha corda sensível. A primeira é saber até que ponto as escolhas de fruição dos utilizadores não valorizam este tipo de música ambiental passível de ser ouvida (como estou a fazer agora) enquanto levam a cabo outras tarefas. A segunda é saber até que ponto a elasticidade textual da música em geral resiste ou se adapta à crescente predominânica desta modalidade “paralela” típica da fruição musical nas plataformas digitais. São perguntas pertinentes cuja resposta seria urgente obter para podermos definir com mais acuidade as práticas sócio-culturais de fruição musical na emergente paisagem mediática.
No meu caso pessoal, é por de mais evidente que a música que ouço quando estou sentado em frente ao computador é consideravelmente distinta da que ouço quando me dedico exclusivamente à audição ou quando levo a cabo tarefas de certa forma automatizadas (destaque óbvio para as lides domésticas). Ao longo da escrita da tese, por exemplo, desenvolvi uma particular apetência pela obra ambiental de Brian Eno (nem mais) e pela música electrónica downtempo, géneros que apenas muito raramente ouvia ou ouço ainda hoje no meu ipod. E vocês? Seria giro se partilhassem a vossa experiência na caixa de comentários.