Nota

Ontem, com um aviso de apenas 3 horas, os My Bloody Valentine disponibilizaram, após mais de duas décadas de espera, uma hiperligação na sua página do facebook que redireccionava para uma página do portal da banda onde os utilizadores podiam comprar e descarregar o novo álbum intitulado mbv. Quase simultaneamente, a banda carregava para a sua página do YouTube nove diaporamas videomusicais com a capa do novo disco e cada uma das suas nove faixas. Ou seja, mais uma vez, o formato videomusical é accionado quase de imediato para suportar o lançamento de um novo disco, o que demonstra pela enésima vez que a fruição musical está a convergir para o formato. Anúncio no facebook + descarregamento pago num portal + disponibilização das faixas no YouTube. Está aqui a fórmula que, estou seguro, será cada vez mais a utilizada para lançar discos nas plataformas digitais.

mbv

MDNR: «C.L.U.B.» (fourclops, 2012)

Ora aqui está mais um vídeo musical recente que mergulha de forma decidida nas possibilidades interactivas do formato. Neste caso, o utilizador em vez de interagir de forma directa com o objecto videomusical, apenas necessita de permitir o acesso à sua conta no facebook (podem fazê-lo na boa que a aplicação é inofensiva). De seguida, o vídeo saca fotos, contactos e informações do nosso perfil para criar um efeito de imersão que torna a experiência particularmente divertida e personalizada. Outra característica deste vídeo musical consiste no facto de recorrer à interface do iPhone para dar ainda mais realismo ao facto de nos vermos, de repente, promovidos à condição de protagonistas desta viagem videomusical. É, até hoje, o vídeo musical interactivo que conheço que tira mais proveito da quantidade de informação pessoal que os utilizadores utilizam para nutrir a Web Social. Tudo isto com humor e inteligência qb. Podem aceder a esta pequena maravilha aqui (evitem o Chrome se puderem, pois esse browser encrava o vídeo a meio – com o Safari e o Mozilla, a coisa funciona lindamente).

Data (actualização)

A página com estudos quantitativos relacionados com o meu projecto de investigação continua em constante actualização, mas aproveito para chamar a atenção para dois dados particularmente significativos: 63% dos vídeos online já são compatíveis com o HTML5 (ou seja, não necessitam de qualquer plug-in tipo Flash e derivados) e o facebook já é responsável por 10% dos vídeos disseminados (não confundir com visualizados) na Web.

Sobre a difusão de vídeos na Web social

Os infográficos são uma praga comparável ao PowerPoint, mas vale a pena atentar a este sobre a difusão de vídeos na Web social (via Mashable):

 

 

O infográfico contém alguma informação interessante, de resto já reiterada por outros estudos, como o facto de a brevidade ser uma mais-valia na definição do número potencial de fruidores e de o facebook ser cada vez mais incontornável na fruição e na difusão de conteúdos audiovisuais. Existem, no entanto, diversos aspectos não referidos pelo infográfico que me parecem importantes num esboço, por mais sucinto que seja, da difusão audiovisual na Web social. Isto dá, obviamente, pano para mangas, mas vou tentar ser breve:

– a duração de um vídeo está longe de esgotar o rol de características capazes de despertar o desejo de fruição num utilizador e o seu agenciamento na difusão do conteúdo. Existe um vasto e complexo leque de factores que vão da definição da identidade à expressão da individualidade dos utilizadores que interferem nas suas escolhas de fruição e de disseminação. Esses factores podem ser de natureza emocional ou estética, ou de natureza mais racional, caso da obtenção ou da partilha de informação relevante para os utilizadores.

– o infográfico parece ignorar que o YouTube é, de facto, uma rede social (só assim se explica a sua não inclusão no segundo tópico);

– a difusão de conteúdos não possui apenas uma dimensão quantitativa (quantos utilizadores vêem um vídeo), mas qualitativa (é o grau de empenho despertado pela fruição de um vídeo que poderá levar ao agenciamento do utilizador na sua disseminação). Mais: o infográfico ignora o facto de haver utilizadores com maior capacidade de difusão do que outros por razões tão diversas como a sua predisposição ou motivação em partilhar informação e conhecimento (peritos) ou o facto de possuírem uma rede social mais vasta (conectores). É a clássica Law of the Few explorada por Malcom Gladwell em The Tipping Point (2.1, GLADWELL, 2000), que distingue os meros consumidores dos multiplicadores (2.1, McCRACKEN, 2005).

– o terceiro tópico poderá induzir em erro os menos atentos devido ao facto de se focar nas marcas (brands). Como é óbvio, o entretenimento (e, em particular, a música) é o sector mais audiovisualmente disseminado na Web, facto facilmente comprovado por diversos estudos que apontam os vídeos musicais como o formato mais fruído nas plataformas digitais.

– quaisquer dados demográficos convencionais (sexo, idade, etc.) são pouco úteis para definir o perfil dos utilizadores que consomem e disseminam conteúdos audiovisuais, na medida em que estes não contemplam os efeitos da plenitude (2.1, McCRACKEN, 2010) que levaram à fragmentação de uma audiência global em nichos de utilizadores cada vez mais específicos e diferenciados que formam a longa cauda (2.1, ANDERSEN, 2006) do mercado das plataformas digitais. E esses nichos, repito, não são identificáveis através do mero recurso a dados demográficos convencionais e implica, forçosamente, um estudo aprofundado de fenómenos como o fanismo.

Para terminar, um elogio: o infográfico (contrariamente ao artigo do portal onde foi retirado) jamais cai na tentação de reduzir os utilizadores das plataformas digitais a meros pacientes ou veículos que são “infectados” (a metáfora é essa) pelas características supostamente virais de certos conteúdos audiovisuais. Na difusão de qualquer objecto, há sempre 3 factores a ter em conta: o medium, o objecto e o utilizador. Ao insistir nesta metáfora viral, o marketing digital tem, nos últimos anos, vindo a menosprezar a importância deste último e decisivo factor: o humano.

A importância do Facebook na disseminação de conteúdos audiovisuais do YouTube

Uma das tarefas do meu projecto de investigação tem sido a compilação de diversas fontes com dados quantitativos sobre a fruição audiovisual nas plataformas digitais, em particular as relativas ao YouTube. Inicialmente, este exercício tinha apenas como objectivo confirmar um dado empírico: a importância da videomusicalidade na actual paisagem mediática. No entanto, o mesmo rapidamente se transformou numa pequena obsessão minha, em grande parte devido à parcimónia com que a Google Inc. divulga dados estatísticos dos seus portais. Felizmente, não escasseiam estudos oriundos de uma vasta gama de entidades de reconhecido mérito científico no florescente mercado da webometria que vão revelando dados quantitativos que, quando cruzados, tendem a convergir para valores numéricos relativamente consensuais, salvaguardando, como é óbvio, as margens de erro inerentes a qualquer exercício estatístico.

Proponho-vos agora um pequeno exercício matemático muito simples que, a partir de alguns dados quantitativos de origem diversa, nos permitirá apurar a percentagem de vídeos do YouTube fruídos no Facebook no universo total de conteúdos audiovisualizados do portal. Este exercício não tem (nem poderia ter) pretensões de fiabilidade absoluta, mas poderá, pelos menos, fornecer-nos uma ideia aproximada da importância da rede social criada por Mark Zuckerberg na disseminação dos conteúdos audiovisuais do maior portal de partilha de vídeos da Web.

Os dados que irei utilizar no cálculo são os seguintes:

a) o equivalente a 150 anos de material audiovisual do YouTube são fruídos por dia no facebook (dado oficial divulgado em Janeiro de 2011);
b) uma média 2 mil milhões de vídeos são fruídos por dia no YouTube (dado oficial divulgado em Janeiro de 2011);
c) a duração média de fruição de um vídeo nas plataformas digitais no mercado norte-americano é de 5,0 minutos (dado de um estudo da ComScore de Dezembro de 2010). Utilizar este valor pressuporia uma extrapolação da duração do tempo médio de fruição de um vídeo nas plataformas digitais por parte do público norte-americano para o tempo médio de fruição dos utilizadores do YouTube. Se tivermos em conta que apenas 30% do tráfego do portal é oriundo dos Estados Unidos, prefiro não utilizar um valor fixo, mas optar um intervalo de duração média de fruição entre os 3 e os 5 minutos (um estudo mais antigo datado de Fevereiro de 2010 estipula o valor médio de fruição no mercado norte-americano dentro deste intervalo: 3,7 minutos).

Após a definição dos dados numéricos, as contas são relativamente simples. Considerando U2B os vídeos fruídos diariamente no YouTube; f(U2B) os vídeos do YouTube fruídos diariamente no facebook e P(f(U2B)) a percentagem f(U2B) em U2B, obtemos a seguinte fórmula:

Reduzindo tudo à unidade minuto/dia (m/d) de fruição obtemos:
a) 150 anos de fruição audiovisual diária equivalem a 7,884 x 10^7 m/d;
b) 2 mil milhões de vídeos fruídos diariamente a multiplicar por c) um tempo médio de fruição que vai dos 3 aos 5 minutos equivale a um intervalo de 6 x 10^9 m/d a 1 x 10^10 m/d.

Aplicando a fórmula, obtemos:

Isto é: cerca de 1,1% dos vídeos do YouTube fruídos diariamente são visualizados no facebook. Para um utilizador nacional típico das redes sociais este valor poderá parecer insignificante, mas, na realidade, para apreciarmos de forma correcta a dimensão desse valor é necessário não apenas pensar a uma escala global mas termos em conta as especificidades dos dois portais:

– o valor calculado refere-se aos vídeos do YouTube vistos no facebook, isto é, inclui apenas a fruição dos vídeos do portal incorporados na rede social e exclui as hiperligações que redireccionam os utilizadores para o portal;
– existe um grande número de vídeos do YouTube que (por opção do utilizador que carregou o vídeo ou por questões de restrição geográfica ligada a direitos de propriedade) não permitem a sua incorporação em outros portais (como o facebook);
– o facebook permite aos seus utilizadores o alojamento de vídeos e a disseminação de conteúdos audiovisuais pode ser feita com conteúdos oriundos de uma vasta gama de portais de partilha de vídeos que não o YouTube;
– a disseminação de conteúdos no facebook não é necessariamente feita para todos os seus utilizadores, mas tendencialmente restrita à rede de amigos/fãs de um determinado utilizador ou página;
– apesar de o facebook ter ultrapassado a barreira dos 500 milhões de utilizadores em Julho de 2010, existem ainda mercados (América do Sul, África e Ásia) em que a penetração da rede social é ainda reduzida;
– Os referidos mercados representam pelo menos 25% do total das visualizações do YouTube;
– A própria taxa de penetração do facebook nos continentes que representam cerca 75% das visualizações do YouTube deixa ainda de fora cerca de 38% de utilizadores norte-americanos e 62% de europeus.

Tendo em conta todos estes factos, o facto de, pelas minhas contas, os vídeos do YouTube visualizados no facebook representarem cerca de 1,1% do total de vídeos fruídos no maior portal de vídeos da Web é um importante indicador do papel preponderante que esta rede social ocupa hoje em dia na disseminação de conteúdos audiovisuais. E a tendência, parece-me, é que este número venha a aumentar nos próximos tempos.