Estes últimos dias têm sido pródigos em fenómenos videomusicais. Na semana passada, Kanye West lançou para a rede o seu mais recente vídeo, realizado por Nick Knight, para o fabuloso tema que fecha Yeezus. Ei-lo (no momento em que escrevo isto, o vídeo está perto das 8 milhões de visualizações no YouTube):
Quando o vi pela primeira vez, identifiquei logo um hipotexto. Este:
De facto, este clássico realizado por Jean-Christophe Avery para a obra-prima de Serge Gainsbourg parece ter sido uma óbvia inspiração para o vídeo de Kanye: o (ab)uso do chroma-key, um objecto de desejo feminino sacado à vida privada (Jane Birkin vs. Kim Kardashian), o fétiche motorizado (Rolls Royce vs. mota), o erotismo a roçar o soft porn, etc. Como é óbvio, esta referência é apenas hipotética e resulta do facto de conhecer bem a obra de Serge Gainsbourg e, claro, da minha deformação profissional: sempre que vejo um vídeo musical, procuro sempre estabelecer laços e conexões com outros vídeos, na medida em que acredito que a videomusicalidade reside precisamente nesta complexa teia de relações.
Por sua vez, o utilizador 4chan do canal hiphopheads do reddit utiliza uma informação recolhida de uma entrevista que leu de Kanye West como chave de leitura para uma interpretação (bastante convincente) do vídeo que, novamente, o define como um pastiche, mas com uma diferença: os hipotextos são uma série de estereótipos culturais norte-americanos (negritos meus):
Alright firstly, the confederate flag. Many of you may or may not know that Kanye has put the confederate flag on a number of his new merchandise associated with the Yeezus tour. The reason for this is that he wants to replace a racist symbol with himself. He wants people to start associating it with him, instead of racism, so quite frankly it can’t be used by racists, as it represents a ‘Black Skin Head.’ He has admitted to this. (I’ll dig up the interview if you don’t believe me.)
Now with this in mind, we can continue on to the Bound 2 video. This video presents some of the most stereotypical, if not corny american stereotypes. The desert. The galloping stallions. The beautiful woman. The soft porn. The lone ranger riding his motorcycle into the sunset. And it is all presented in such a simple and uninspiring way that it is almost a mockery of these things. The only thing not stereo typically american here, is the fact that the lone ranger is black.
So why is Kanye doing this? Well it is pretty simple, he is taking White American culture, and he is replacing it with a Black skin head. This is essentially an aggressive cultural takeover that the average person probably doesn’t even realize is happening. Why else would he debut the video on the Ellen show? It is a white american talk show, with a white american demographic. This man is literally destroying white american stereotypes by making them revolve around him. The funniest part is, hardly anyone realises it. Oh and who is white america’s favourite white person? Jesus. Im sure you all get where I’m going with this. (fonte)
Como é óbvio, a maioria dos utilizadores da rede (“the average person”) não apanha estas referências e “limita-se” (coloco as aspas porque não há aqui qualquer juízo de valor da minha parte) a constatar o óbvio: que o vídeo é corny ou “foleiro” e que é difícil ver aquilo tudo e não ficar meio parvo com quantidade de clichés (corny stereotypes) que se conseguem concatenar em apenas 4 minutos. Foi precisamente uma superleitura deste género que motivou a dupla Seth Rogen e James Franco a levar a cabo uma hilariante paródia do vídeo de Kanye West:
O que é particularmente digno de nota neste exercício paródico é, por um lado, a sua simplicidade (uma interpretação dramática caricatural e a substituição de um sex symbol feminino por uma figura masculina que não se enquadra nos estereótipos da beleza masculina) e, por outro, a sua fidelidade (todos os planos são reproduzidos com grande detalhe sem jamais utilizar as imagens de origem).
Pelos vistos, o próprio Kanye West (conhecido pela sua susceptibilidade) achou piada à coisa. Independentemente das diversas leituras que se podem fazer do vídeo original (homenagem, crítica cultural, mensagem política, mera foleirice, etc.) uma coisa é certa: “Bound 2” está a ser um dos temas mais ouvidos esta semana nos quatro cantos do mundo.