Conhecimento vs. fruição

Foi há cerca de dez anos que comecei a familiarizar-me com um instrumento musical. Por insistência de um grande amigo meu, comprei uma guitarra acústica (escolhida por ele) que acabaria por oferecer a outro amigo, pois entretanto comprei outra (não necessariamente melhor, mas bem mais cara). Sou melómano desde que me conheço e a música tem um papel fundamental na minha vida: oiço e compro música a um ritmo incessante, leio sobre ela e tenho vindo a desviar o meu percurso académico da literatura (outra paixão) para o estudo da sua dimensão sócio-tecnológica. Foi, por isso, tarde a más horas (apenas aos 27 anos) que comecei a dedicar-me à aprendizagem de um instrumento musical. Não tenho lá grande jeito, é verdade, mas não trocaria por nada o prazer que retiro das horas que dedico à guitarra. No início, foi terrível. A aprendizagem de um instrumento musical tem uma dimensão física que porventura escapa a quem nunca tenha tido o privilégio de se meter nessa aventura: aprender a tocar guitarra, por exemplo, dói. E não é pouco. Os primeiros meses são mesmo desanimadores: os dedos ficam feridos, os pulsos latejam e as costas arqueiam. E parece que nunca saímos do sítio. Depois, pouco a pouco, descobrimos que há coisas que não conseguíamos tocar antes que agora conseguimos tocar sem esforço. Adquire-se uma perícia rítmica, uma agilidade nos dedos, afina-se o ouvido e, sobretudo, lentamente, começa-se a perceber o fenómeno musical como um sistema que tanto se rege por regras como por fugas que teimam em fintar-nos, sobretudo quando somos autodidactas (é o meu caso). É óbvio que não é preciso compreender a música para fruí-la. Mas cada esforço que fazemos para a compreender, por mais ínfimo que seja, é um contributo tremendo para aumentarmos, sem limite à vista, a intensidade e a dimensão desse mesmo prazer. Estou a falar da música – mas poderia estar a falar de outra coisa qualquer.