No primeiro post desta série, expliquei a operacionalidade de uma diferenciação de uma série de práticas muito comuns dos utilizadores das plataformas digitais através da definição de conceitos como acesso, consumo e fruição participativa. Neste segundo post, irei desta vez dedicar-me à definição das duas principais práticas difusoras dos utilizadores na Web Social: a difusão sem transformação do conteúdo difundido (disseminação) e difusão com transformação desse mesmo conteúdo (propagação).
A difusão sem transformação (ou disseminação) é, de longe, a prática difusora mais comum entre os utilizadores da Web Social. A maioria dos portais de partilha de vídeos (como o YouTube, o Vimeo, etc.) permitem duas formas de disseminação dos seus conteúdos: a partilha do URL onde o vídeo está alojado e a sua widgetização. Naquela que é, hoje em dia, a mais comum prática de disseminação audiovisual (disseminar um vídeo do YouTube no facebook), as duas formas estão associadas: a partilha do URL origina automaticamente a sua widgetização. No entanto, há formas ainda mais subtis de disseminação com a que foi descrita no primeiro post desta série: o mero acesso de um utilizador a um conteúdo alojado num portal de partilha de vídeos produz uma forma indirecta de disseminação, na medida em que esse acesso é contabilizado no número de visualizações desse mesmo conteúdo. Enquanto que a partilha do URL, a widgetização e a remediatização de um conteúdo audiovisual (por exemplo do YouTube para o Vimeo) são formas de disseminação recontextualizadas, o mero acesso não implica qualquer recontextualização.
A difusão com transformação (ou propagação) consiste numa prática mais empenhada e produtiva de difusão dos utilizadores e enquadra-se na denominada cultura da redacção: a produção de novos materiais a partir de um processo de edição de conteúdos pré-existentes (2.1 HARTLEY 2008: 122). No fundo, a propagação engloba práticas tão diversas como a paródia, o pastiche, a remistura ou a colagem (mash-up).
A escolha dos termos disseminação e propagação para nomear a dicotomia difusão-sem-transformação/difusão-com-transformação necessita de uma explicação, na medida em que, no senso comum, e mesmo na terminologia de alguns membros da comunidade científica, os termos são pura e simplesmente utilizados como sinónimos de difusão.
John Dearing, por exemplo, atribui um significado preciso ao termo “difusão” que serve para designar os atos comunicacionais que, para além de serem duplamente influenciados pelas características estruturais das redes mediáticas e pelas características sociais dos seus agentes, implicam contágio (aqui entendido como um ato comunicacional não-intencional), imitação, manipulação e persuasão (2.2 DEARING 2006: 178). Ora, se excetuarmos a sua vertente memética, a definição do autor enquadra-se totalmente nas características sociotecnológicas de todos os atos comunicativos da Web Social.
Quanto à “disseminação”, um autor como John Durham Peters aplica o termo para designar atos comunicativos não-presenciais que envolvem uma interação dos seus participantes em oposição às não-presenciais sem interação que atribui à comunicação em massa – broadcasting (2.2 PETERS 2006: 213). Se excetuarmos a confusão terminológica já aqui abordada (John Durham Peters utiliza o termo “interação” para referir algo que o paradigma da convergência refere como participação), torna-se evidente que a sua concepção de “disseminação” pode ser perfeitamente aplicada na caracterização da nuvem comunicacional tecnologicamente mediada e in absentia da Web Social, isto é, existe uma assinalável e evidente sobreposição entre a definição de “difusão” de John Dearing e a de “disseminação” de John Durham Peters. É, de resto, precisamente neste sentido amplo que Jason Middleton e Roger Beebe utilizam o termo “dissemination” no campo da videomusicalidade, ou seja, como sinónimo de “difusão dos vídeos musicais na Web” (1.1 BEEBE et al. 2007: 3-4).
Finalmente, o termo “propagação”, apesar de menos utilizado que os dois termos anteriores na área das ciências da comunicação e dos Web Studies, é igualmente empregue, por diversas áreas de conhecimento que vão da botânica ao marketing, num sentido análogo ao da “disseminação” ou “difusão”, isto é, como sinónimo de “multiplicação” ou “reprodução”.
Assim, torna-se manifesto que os pretéritos usos dos termos “difusão”, “disseminação” e “propagação” por parte da comunidade científica tendem a sobrepor os seus respetivos significados, estabelecendo uma relação de quase absoluta sinonímia entre os três termos. No modelo conceptual de difusão videomusical na Web Social elaborado ao longo do meu projecto de investigação, pelo contrário, optou-se por diferenciar o emprego de cada um dos termos por razões operacionais, isto é, para distinguir fenómenos de circulação de conteúdos mediáticos na Web Social que, como foi referido, impliquem mecanismos ou práticas difusoras distintas por parte da fruição participativa dos utilizadores.
Práticas difusoras na Web Social: disseminação e propagação.
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A forma mais genérica de circulação é atribuída ao termo difusão não apenas pelo sentido mais lato que John Dearing consagra ao termo, mas também pelo facto de o mesmo ser utilizado de forma mais comum na língua portuguesa, inclusivamente na formação de palavras compostas que possuem também um sentido genérico (radiodifusão, teledifusão, etc.).
Por sua vez, a difusão-sem-transformação foi atribuída ao termo disseminação devido à sua origem etimológica (do latim disseminare) que remete para a reprodução de um determinado ser vivo (vegetal ou animal) que preserva as características contidas na sua semente ou sémen (ambos do latim semen).
Finalmente, apesar de a origem etimológica do termo propagação (do latim propagatio) conter igualmente as características biológicas da reprodução, a atribuição a este termo do significado de difusão-com-transformação deriva do seu uso numa lei da física, segundo a qual a velocidade de propagação de ondas (não eletromagnéticas) depende da densidade do seu medium. Desta forma, foi a variabilidade da velocidade da propagação das ondas decorrente das características do medium em que é propagado que motivou a atribuição do significado da difusão-com-transformação ao termo “propagação”, na medida em que são igualmente as características do medium (Web Social) que potencializam a transformação (variação) dos conteúdos mediáticos que os utilizadores propagam.
É possível, assim, a partir do presente modelo conceptual, definir uma equação de um conjunto de práticas difusoras dos utilizadores da Web Social: difusão = disseminação + propagação. No entanto, esta equação “apenas” recobre um (vasto) espectro das referidas práticas difusoras que apodo de horizontais. More about that num próximo post (isto apesar de já ter aflorado no blogue este próximo tópico aqui e aqui).