Web 2.0 ou Web Social?

A imagem supra consiste na reprodução do gráfico que resultou de uma pesquisa feita no Google Trends há escassos minutos da publicação deste post (inspirada numa pesquisa análoga que vi aqui) e que reflecte uma inegável tendência: a de, nos últimos anos, o termo Web 2.0 ter vindo a ser preterido pelo de Web Social. Foi de resto esta tendência que fez com que alterasse o titulo do meu projecto de investigação em 2010 de A convergência dos vídeos musicais na Web 2.0 para A convergência dos vídeos musicais na Web Social. Mas será que esta mudança de designação da Web não passa de uma mera “moda” ou assinala, pelo contrário, uma diferença entre o que a comunidade científica entende como a Web 2.0 e a Web Social?

Como já referi aqui diversas vezes, a convergência digital dos vídeos musicais consiste num processo, iniciado no final da década de 90, que tem vindo gradualmente a transformar o formato de um objeto televisivo para um dos conteúdos mais importantes do que hoje a comunidade científica tende a apodar, com o relativo consenso demonstrado pela figura supra, de Web Social. Mas o que é, no fundo, a Web Social? Para responder a esta pergunta, é necessário invocar alguns conceitos elementares:

• a Internet consiste numa rede de redes, isto é, numa gigantesca infraestrutura que permite, através de uma série de linguagens denominadas protocolos, a comunicação entre qualquer terminal que esteja ligado à rede (2.1 BURNETT 2002: 206);

• a World Wide Web (ou Web) consiste numa forma específica de aceder à informação existente na Internet através do protocolo HTTP e pode ainda ser conceptualizada como uma coleção de páginas e portais, graficamente desenhados (a grande maioria em HTML), e interligados através de hiperligações, que disponibiliza essa mesma informação sob a forma de texto, imagens, áudio, vídeo e sistemas hápticos (idem: 211);

• a Web é, à semelhança do mail, do Usenet, do instant messaging ou do FTP, uma interface da Internet.

Desde o seu lançamento em 1991, a Web tem sofrido uma série de transformações que a comunidade científica procurou agrupar e registar sob a forma de apodos. A primeira série de mutações a ser conceptualizada com elevado consenso foi a que originou o termo Web 2.0. Apesar de a designação ter sido originalmente cunhada por Darci DiNucci em 1999 num texto sobretudo dirigido a Web designers (2.1 DINUCCI 1999), o termo tornar-se-ia popular após a publicação de What is the Web 2.0? de Tim O’Reilly (2.1 O’REILLY 2005). Neste famoso artigo, a Web 2.0 é definida como uma plataforma na qual as aplicações são construídas em vez de estarem disponíveis no desktop dos terminais. A singularidade desta migração reside, segundo o autor, no facto de os utilizadores passarem a ter um papel ativo em oposição à passividade imposta pela pretérita Web 1.0. Como afirmam Glen Creeber e Royston Martin:

The concept of Web 2.0 is distinct from Web 1.0 in that websites allow users to do more than just retrieve information. It includes a social element where users generate and distribute content, often with freedom to share and reuse. Examples of this include social-networking websites (such as YouTube, MySpace and facebook); wikis (such as Wikipedia or WikiWikiWeb) that allow users to create, edit and link web pages easily; and folksonomies (such as Flickr and delicious), which allow users to collaboratively create and manage tags to annotate and categorize content. (2.1 CREEBER et al. 2009: 3-4)

É precisamente a focalização neste elemento social que interliga os utilizadores da Web 2.0 referido pelos autores que viria dar origem ao termo Web Social, que pode ser definida de forma muito prosaica e tautológica como o conjunto de laços sociais (2.1 GRANOVETTER 1973) que os utilizadores vão criando entre si ao longo da sua fruição participativa na Web (2.1 APPELQUIST et al. 2010).

Outra definição de Web Social inúmeras vezes citada em diversos artigos científicos é a de Kaplan e Haenlein: «group of Internet-based applications that build on the ideological and technological foundations of Web 2.0, and that allow the creation and exchange of User-Generated Content» (2.2 KAPLAN et al. 2010: 61). No entanto, considero esta definição redutora pois a partilha (ou difusão) por parte dos utilizadores de conteúdos mediáticos que não se enquadram na definição dos conteúdos gerados pelos utilizadores (CGUs) é também uma das características fundamentais da Web Social. Num famoso relatório produzido por Sacha Wunsch-Vincent e Graham Vickery para a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), os autores definem o termo nos seguintes moldes:

[User-Generated Contents] is defined as i) content made publicly available over the Internet, ii) which reflects a certain amount of creative effort, and iii) which is created outside of professional routines and practices. (2.1 WUNSCH-VINCENT et al. 2007: 4)

Se as duas primeiras características são consensuais, a derradeira é bastante problemática. Hoje em dia, devido ao crescente protagonismo da nova paisagem mediática digital a nível planetário, as esferas do lazer e da atividade profissional de um número cada vez maior de indivíduos tendem a estar cada vez mais sobrepostas, pondo em causa a pertinência do uso de conceitos como amador e profissional:

[We live today] in a media-saturated hyper-reality, where meaningful distinctions between public and private life, work time and non-work time, local and global, or lived or mediated reality are fading. (2.1 DEUZE 2007: xii)

De resto, um autor como Jamie Sexton não deixou de observar esta nova realidade no campo específico da videomusicalidade quando afirma que se esbateram as fronteiras que separavam os profissionais dos amadores (1.2 SEXTON (ed.) 2007: 6). Desta forma, parece-me legítimo defender que a utilização do termo conteúdos gerados pelos utilizadores (CGUs) deve, definitivamente, eliminar da sua definição a terceira característica proposta por Sacha Wunsch-Vincent e Graham Vickery. Um termo porventura mais apropriado para designar a intensificação desta outrora marginal forma de produção de conteúdos mediáticos é o de criatividade vernacular, um conceito criado por Thomas McLaughlin (2.2 MCLAUGHLIN 1996) e desenvolvido por Jean Burgess no domínio dos media digitais (2.1 BURGESS 2007). Para além de denotar, por parte da comunidade científica, um empenhamento ou empatia no estudo de produções culturais de origem popular, a definição do termo enquadra-se de forma particularmente aguda no paradigma da convergência digital:

Vernacular creativity is a productive articulation of consumer practices and knowledges (of, say, television genre codes) with older popular traditions and communicative practices (storytelling, family photography, scrapbooking, collecting). […] The term signifies […] the capacity to reduce cultural distance’ between the conditions of cultural production and the everyday experiences from which they are derived and to which they return. (2.1 BURGESS 2006: 6)

Alguns autores, como Tim Bernars-Lee, o criador da Web, têm colocado em causa a utilidade desta proliferação de designações na medida em que muitas das componentes tecnológicas da Web 2.0 ou da Web Social existem desde a origem da Web:

The Web is more a social creation than a technical one. I designed it for a social effect – to help people work together – and not as a technical toy. The ultimate goal of the Web is to support and improve our weblike existence in the world. We clump into families, associations, and companies. We develop trust across the miles and distrust around the corner. What we believe, endorse, agree with, and depend on is representable and, increasingly, represented on the Web. (2.1 BERNARS-LEE et al. 1999: 13)

Apesar de a designação Web Social poder ser vista como uma forma de fazer regressar a Web às suas origens, na medida em que a reconceptualiza como uma plataforma que facilita a troca de informação entre os utilizadores, não deixa de ser evidente o facto de a Web não ser uma entidade estática e de estar em permanente mutação. Desta forma, seria no mínimo estranho que à mesma não fosse dada uma série de designações que procurasse facilitar a identificação e a compreensão desta evolução histórica. Hoje em dia, a Web é diferente da que foi pela primeira vez tornada pública em termos de conteúdo, distribuição, acessibilidade e usabilidade (2.1 CREEBER et al. 2009: 4). E a designação Web Social não pretende ser mais do que uma forma de designar o incremento de participação, criatividade e interatividade que caracteriza os laços sociais que atualmente interligam os utilizadores da Web.

Um comentário a “Web 2.0 ou Web Social?

  1. até pode parecer paradoxal mas não é: passou-se de uma web organoléptica, 20age, para uma web organoléptica de grande superfície. :-)

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